quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

30 Anos Sem Elis Regina

Hoje, 19 de janeiro de 2012, vivemos, no Brasil, uma grande saudade. Amanhã dir-se-á nos bares, nos salões, nas casas, nas cidades, nas esquinas:
- Estamos há trinta anos sem Elis Regina…
Elis Regina que, em seu último show, Trem Azul, disse, com a voz embargada:
- Agora eu sou uma estrela.
Não é fácil, meus poucos mas fiéis leitores, assumir-se assim. Mas Elis podia. Elis foi – e assim se mantém até hoje – a maior cantora que o Brasil já viu cantar. Elis foi, nos discos e nos palcos, além da voz humana. Mas não é sobre Elis, não é sobre sua biografia, tão exposta por aí, que quero lhes falar. Quero lhes falar, pra manter meu modus operandi, de minhas lembranças e de minha alma, previamente à espreita do dia de amanhã, que há de ser, por conta dos trinta anos sem ela, um bocado comovido.


Eu estava sentado no chão da sala do apartamento 203 da rua São Francisco Xavier 84, na Tijuca. Eu estava de férias. Estamos em 19 de janeiro de 1982. Tocou o telefone, eu atendi. Era minha tia Noêmia, queria falar com minha mãe. Chamei mamãe. E vi minha mãe incrédula repetir diversas vezes – “o quê?”, “como?”, “quando?” – até que desligou e disse, em direção a mim:
- Elis Regina morreu.
Notem vocês: eu era um menino, tinha apenas 12 anos de idade. E aquela notícia me pregou uma peça. E me pregou uma peça porque eu tinha uma promessa, feita por mamãe, semanas antes: ela iria me levar pra assistir, pela primeira vez, no Teatro João Caetano, ao show Trem Azul, em excursão pelo Brasil. Eu, portanto, nunca tive o privilégio de assistir Elis Regina ao vivo. E sobre isso, uma palavrinha… para que tenham noção, os mais jovens, de quem foi Elis Regina. Hoje, no Brasil, quando Chico Buarque, por exemplo, faz temporada de um mês no Rio de Janeiro, diz-se: grande temporada. Pois Elis fez temporada de um ano e meio (eu disse um ano e meio!) em São Paulo, no Rio de Janeiro, casa lotada de quinta a domingo. Porque era, sobretudo, uma cantora a serviço de seu povo, uma cantora popular. Hoje, o Brasil inteiro louva João Bosco, Aldir Blanc, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Belchior, Guinga, tantos, tantos, tantos!… e é preciso que se diga: foi Elis Regina a primeira a abrir, pra cada um desses monstros sagrados, a primeira porta. Voltemos a 1982.

A casa de meus pais foi, naquele 19 de janeiro, palco de uma procissão de homens e mulheres em estado de choque. Lembro-me, mais, que logo depois de desligar o telefone, mamãe foi à vitrola e pôs Essa Mulher, LP de Elis Regina, de 1979, e foi Elis Regina que tocou o dia inteiro em nossa casa. A notícia, a crueza da notícia, a morte por overdose, a mistura trágica de cocaína e álcool, pegou a todos de surpresa… e o desaparecimento precoce da maior cantora do Brasil, enterrada com a camisa que foi impedida, pelo regime ditatorial, de usar no show Saudades do Brasil, deixou para sempre um vazio impossível de ser preenchido (e como compreendo, hoje mais que nunca, o que é esse vazio…).
E quero, por fim, dividir com vocês o que descobri hoje e que considero um tesouro. Mais de 60 minutos, gravados ao vivo por uma rádio gaúcha, e posteriormente gravados por uma boa alma, do show Trem Azul, em Porto Alegre, no dia 19 de setembro de 1991 – exatos quatro meses antes de sua morte.
É Elis Regina em estado bruto. Técnica perfeito, abuso – no limite – de sua força técnica, repertório impecável e um registro emocionante – e que pode ter sido o último – de Elis Regina ao vivo, hoje uma forma nebulosa feita de luz e sombra: como uma estrela.


(Fonte:butecodoedu.wordpress)   

Nenhum comentário:

Postar um comentário